domingo, junho 19, 2011

Do fundo do copo

Toda vez que ia beber um copo d'água, olhava para o fundo do copo. Era estranho para os outros, ele passava dezenas de segundos encarando o fundo de um copo cheio d'água.
- Tô tentando ver meu futuro - dizia ele, encarando o fundo do copo, transparente e sem-graça.
Uma vez sua namorada o impediu. Enquanto tentava olhar o seu futuro, ela abaixou o copo, irritada com a mania. Brigaram e logo depois do final da briga, ele voltou a olhar, imaginando que seu futuro teria aparecido justamente quando ela teria o impedido, pregando-lhe uma peça.

Ele não olhava para o fundo do copo de coca, para o fundo do copo de cerveja ou de whisky.
Bom, era uma surperstição... Algumas videntes (ou aquelas que diziam ser videntes) diziam ver o futuro no fundo de uma xícara de chá, pelas folhas restantes, asseomancia, "Praedicere futurus", elas diziam com toda a pompa de quem sabe falar latim. Pura baboseira achava ele (já tinha tentado). Só tinha curiosidade no significado das coisas restantes, das coisas ignotas.

Encarava o fundo do copo esperando ver sua vida futura enquanto uma vez lhe perguntaram por que gostaria de ver o que vinha pela frente. Um amigo evangélico até o lembrou que isso não era coisa de Deus, que não revela o futuro (Glória, glória, aleluia).

Olhou praquele monte de reflexos limitado e pensou:
- Meu futuro é limitado? Plano e desforme?


Levou o copo à boca e bebeu o futuro, do fundo do copo.

Até hoje, algumas vezes, olha, desconfiado, para aquele transparente reflexo irreproduzível. Mas só algumas vezes...

Nunca se sabe quando o futuro vai aparecer.