segunda-feira, junho 29, 2009

Meu pai, um exemplo de vida

Eu poderia escrever um livro do que eu já aprendi numa vivência de 17 anos ao lado do meu pai.
Reginaldo, ou "Régi" para os mais íntimos, nasceu na pequena cidade de São Bento do Una, hoje uma das metrópoles mais importantes do estado de Pernambuco, que engloba os municípios de Garanhuns, Belo Jardim, Toritama e Trucunhaém da Mata Norte Indígena (nem me perguntem o porquê deste nome). Com apenas 12 habitantes, incluindo as moscas do único bar e da padaria de São Bento do Una, a população é a mais estável e a mais crescente do Nordeste, o que faz meu pai ter um orgulho "danado" da cidadezinha, que é o xodó dos são-bentenses.
Eu ainda acho que eles não têm mais o que fazer da vida, e por isso procuram algo para amar eternamente, e a cidade termina sendo idolatrada fanaticamente.

Sabe, depois de dar duro durante anos trabalhando em São Paulo e depois em Recife, depois de vários restaurantes abertos e fechados, meu pai finalmente tem o que queria: um lugar onde ele pode expor ao público todo o seu carinho e afeto pela cidade. No salão, uma bandeira gigante de São Bento do Una, que foi fundada em Mil Setecentos e Lá-vai-o-trem. Depois, uma parede inteira coberta de fotos emolduradas da cidade. "São Bento do Una em 1916". "São Bento do Una em 1917". "São Bento do Una em 1918". Sabe, um dia eu perguntei pra meu pai quem eram aquelas pessoas na foto e ele me respondeu que não sabia.

- Pai, quem é esse aqui da direita?
- Sei não, meu filho.
- Esse aqui?
- Esse daí eu também não sei não, Eduardo.
- Pai...
- Que é... ?
- Tem alguém na foto que o senhor conheça?
- ... Boa pergunta, meu filho.
- E pai...
- Oi.
- Tem alguma foto em que tenha alguém que esteja... vivo?

O povo daquela cidade é até legal, sabe, legal pra caramba. Eles são muito amigos e muito fervorosos quando o assunto é a cidade.
Meu pai saiu de lá quando tinha, acho que, 17 anos. Foi para São Paulo com a família, ver se conseguia coisa melhor lá. "Tô fazendo nada vamo lá".
Lá ele começou como funcionário de banco, trabalhou, ralou, deu o suor e foi promovido a bancário. Eu bem nunca soube distiguir as duas denominações, mas deixa quieto. Virou gerente. Mudou de banco pra continuar gerente, foi transferido p'ra cá pra Recife, e aqui ficou.
A infância pobre fez com que ele aprendesse a valorizar desde sempre o dinheiro. Uma vez meu primo veio aqui para casa para passar as férias, e como o shopping mais famoso da cidade fica aqui do lado, eu pedi um dinheiro para ele.
- Pai, dá um dinheiro p'ra eu e Gabriel irmos lanchar no shopping.
- Você e Gabriel?
- É.
- Peraí - pegou a pasta de trabalho, tirou uma bolsinha minúscula para guardar moedas (ele chama de "miaêro"), despejou na mão e contou - tome, aqui tem dois e sessenta e cinco [reais]. Faça a festa.

Depois desta eu passei a pedir apenas tickets alimentação pra ele, já que os valores eram mais altos, e não se podia alterar o valor de um ticket.
- Pai, peguei um ticket pra comer no McDonald's.

- De quanto? - ele pára de contar o dinheiro, levanta a cabeça e olha pra mim, com aquela expressão estipuladora de preços que só quem lida diariamente com pão-duros conhece.
- 10 reais.
- 10 reais, meu filho?? - faz aquela cara de reprovação e volta a contar o dinheiro.
É, como se 10 reais desse pra comprar um lanche no McDonald's... Se algum dia ele souber dos preços reais, ele me proíbe de comer lá...
Seria melhor se eu dissesse "5 reais pai, vou num podrão aqui da favela ao lado e volto com meus amiguinhos Salmonela e Bala Perdida, ok? Não me espera" ou "Ah pai, foi mal. Tá! Me dá um real aí que eu compro pão-doce e faço uma vitamina de banana p'ra eu tomar aqui em casa antes de ir pro shopping com meus amigos".
Quem sabe algum dia eu poste mais sobre meu pai. Quer dizer, isso se o FBI deixar.

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